Acho que o ano foi 75, um ‘sabadão’ calorento, meu amigo e parceiro de escola, Tuca, vizinho da Rua Barão do Rio Branco, me convidou para o casamento de um parente seu, na Guaraiuva.
- Vamos lá, Marreco, vai ser um festão, vai ter churrasco, maionese de sítio e tubaína... Lá tem muita menina bonita e vai ter um baile depois da festa!
Falou em carne, menina bonita e baile, tudo na faixa:
- Vamos sim... Vamos de quê?
- A gente pega o trem pra Salto Grande e desce na Estação da Guaraiuva, às quatro da tarde a gente vai pra estação!
Quando deu quatro horas avisei minha mãe e seguimos, os dois "belezão", pra estação de trem!
- Moço, duas passagens pra Guaraiuva!
- O último trem pra Presidente Epitácio saiu faz meia hora, agora só amanhã!
Putz... saímos da estação feito baratas tontas, sem sabermos o que fazer... Mas, sabe aquele ditado que diz: "desgraça pouca é bobagem"?
Então... O Tuca, antes mesmo de descermos a Antônio Prado, teve uma "luz"... Sugeriu que fossemos de charrete.
- Tá louco, é muito caro!
- Eu tenho dinheiro! Retrucou.
- Moço, quanto o senhor cobra pra levar a gente até a Guaraiuva?
- Guaraiuva? São quase dez quilômetros... Fica 50 mil cruzeiros!
Um valor absurdo, coisa de uns cem reais, hoje!
- Então vamos! Afirmou o Tuca!
Realmente o cara estava com grana, o pai dele tinha uma empreiteira de construção de redes elétricas, Sr. Zé Gordinho.
E seguimos, pela estrada do aeroporto, sentido Guaraiuva.
Uns duzentos metros antes de chegarmos no local do casamento, com vergonha, Tuca pagou o “charreteiro”, seguimos a pé!
A vergonha de chegar de charrete era devido à má fama daquele tipo de transporte, jocosamente apelidada "balaio de putas".
Chegando lá, mais ou menos sete da noite, o dia ainda estava claro e, naquele barracão enorme, feito de eucaliptos, participei da maior festa de casamento da minha vida!
Carne à vontade, comida à vontade, caçulinha da Caiçara!
Comemos feito gente grande, o melhor ainda estava por vir.
Conhecemos umas "minas" polaquinhas, não sei se descendentes de alemães, poloneses ou húngaros, que se engraçaram para nosso lado.
Dançamos a noite inteira: discoteca, lentas tipo "Love Songs" e até as sertanejas arraste-pé.
Claro que "rolou" altos beijos e amassos.
Quando acabou a festa o relógio marcava duas e meia da manhã!
E agora? Como voltar pra casa, Tuca?
- Vou dormir na casa do meu tio! É melhor você dormir na estação e esperar o trem das seis e meia que vem de Salto Grande!.
- Beleza! Respondi chateado.
Ao invés de dormir na estação decidi voltar pra Ourinhos a pé.
Morrendo de medo segui a estradinha de terra, marginal da linha do trem.
Arrumei um pedaço de pau de bom tamanho e segui noite adentro.
Naquela noite clarinha, de lua mansa, voltei pra casa, entre pensamentos nefastos de lobisomens e piados de pássaros noturnos.
Vi corujas barranqueiras e gaviões obscuros, sem contar os barulhos estranhos vindo de dentro do mato.
Os curiangos, em seus gritos solitários (amanhã eu vou), me fizeram lembrar da dupla "Preferido é Predileto" e a canção "O Curiango".
Eu suava frio e o coração, envolto pelo medo, batia a mil por hora, situação que piorou quando comecei ouvir batidas de um trote de cavalo... Não vi nada, só ouvi!
O pior de tudo era os pensamentos aterrorizantes, que iam e vinham, e insistiam em me assustar.
Então, para amenizar o clima cavernoso, comecei a rezar o Pai Nosso.
Só aliviei a gastura quando, de um ponto mais alto do caminho, avistei a barrinha do dia timidamente nascendo por detrás da caixa d'água do Corpo de Bombeiros.
Cheguei em casa quando os guardas-noturnos já haviam se retirado das ruas!
Num outro final de semana Tuca me convidou:
- Vamos pular o carnaval no Náutico, em Salto Grande?
Lembrei que ele me deixou na mão na Guaraiuva e respondi cinicamente:
- Amanhã eu vou!
Imagem: Reprodução