João Neto: A mulher da casa do lado

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Esta semana, no jornal da cidade, me deparei com uma nota de falecimento, de uma senhorinha, moradora de um bairro da periferia daqui.

Parei, li a descrição pessoal e familiar da idosa de noventa anos, viúva, que faleceu de causas naturais.

Olhando a foto no obituário reconheci de imediato aquela mulher serena e miúda que, num distante dia, nos meus tempos de concessionária de energia elétrica, me fez conhecer o maior exemplo de solidariedade e amizade que eu já tinha visto.

Uma das atividades exercidas no meu trabalho era a suspensão de fornecimento de energia, ou "corte de luz", um procedimento que eu chamava de atividade culposa (sem intenção de cortar).

Um trabalho terrível, onde eu me sentia incomodado, preferia estar fazendo um buraco para fincar um poste, que cortar a luz das pessoas, afinal, colocando-me no lugar do consumidor, dava pra sentir a tristeza nos olhos dos inadimplentes.

Quantos dramas familiares e tragédias sociais me deparei, mas tínhamos que cumprir este osso do ofício, bem, voltando à senhorinha da nota de falecimento, seguem os fatos:

Ao efetuar o corte de luz ela, do portão de sua casa me questionou:

- Moço, quanto Dona Benedita tá devendo?
- Desculpe mas não pode repassar esta informação!
- Se eu disser que eu vou lá pagar as contas atrasadas dela, você deixa a luz ligada?

Pensei bem, no íntimo percebi firmeza e sinceridade na mulher:

- Ok, vou deixar ligado, leva este aviso na concessionária, na parte da tarde passo aqui para conferir.
- Obrigado, moço... Dona Benedita está gastando muito com doença, preciso ajudá-la... Só peço pra não dizer que paguei as contas atrasadas.
- Tudo bem, ficará entre nós!

Como combinado, na parte da tarde, as seis contas atrasadas estavam devidamente quitadas.

Como dizia o cantor mineiro: "Amigo é coisa pra se guardar, do lado esquerdo do peito, dentro do coração..."

Naquele dia entendi o significado da frase "amor ao próximo"!

Marcou muito minha vida este acontecimento, me fez lembrar que existem pessoas de coração puro, neste mundo carrancudo!

Ao ler o obituário do jornal, não li apenas o relato de um falecimento, li a passagem sublime de uma alma bondosa, um anjo, que Deus levou para o céu!