João Neto: Bolo de Amendoim

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Já passava da meia noite, os relâmpagos incessantes e os trovões estressados anunciavam a volta da chuva, que persistiu por todo aquele fevereiro.

Mesmo com o vento assobiando pelas frestas das janelas ouvimos uma voz de mulher batendo palmas no nosso portão e gritando apavorada:

- Dona Conceição, Dona Conceição!

Os chamados acordaram a casa toda, papai, sempre receoso, ponderou:

- Não abram a porta sem espiar quem é!

Quem conseguiu identificar a mulher, mesmo no escuro foi o Ulisses, no flash do relâmpago reconheceu Dona Mafalda, vizinha da esquina.

Mamãe ordenou:

- Abram a porta para ela entrar!

Dona Mafalda, entrou pedindo desesperada:

- Me ajudem, acho que o Geraldo está morrendo!

Imediatamente corremos para casa dela, papai entrou no quarto e constatou o homem respirando com dificuldades:

- Precisamos de uma condução para levar Seu Geraldo para a Santa Casa.

Naquele tempo não havia o 192 do Samu, aliás não havia Samu nem celular e muito pouca gente tinha telefone, o que havia mesmo era uma poderosa corrente de solidariedade da vizinhança que, mesmo na pobreza, era como uma grande família.

Para levá-lo até à Santa Casa lembramos do Wilson, filho da Dona Pepa da Cerâmica... Solidário, não demorou nada e já estava estacionado na frente da casa do Seu Geraldo.

Antiga casa do Seu Geraldo... não existe mais (Foto: Reprodução)

Nem precisa dizer que quase toda vizinhança estava reunida no portão da Dona Mafalda, tamanha era a preocupação com o querido casal.

Na manhã seguinte, após noite de pesada preocupação e de pesada chuva - as notícias eram de que Seu Geraldo estava bem e medicado, teve uma queda de pressão, na tarde receberia alta e retornaria para casa.

No outro dia Dona Mafalda nos levou uma assadeira com bolo de amendoim, aquele bolo de amendoim que só ela sabia fazer.

Era o jeito que a vizinhança fazia para agradecer. Um delicioso "modus operandi" recheado com creme e salpicado com amendoim moído.

Tudo isto me vem à mente justamente neste chuvoso mês de fevereiro, tempo em que estamos esquecendo das boas maneiras, economizamos "bom dia" aos vizinhos... Corremos o risco de, além de não mais ganharmos bolo de amendoim, numa madrugada qualquer, precisar de um vizinho para nos socorrer e simplesmente a porta não se abrir.

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