João Neto: Nossos tempos miseráveis!

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Eu devia ter uns 9 anos, a gente ainda morava na Vila Perino, em Ourinhos (SP), um total de 16 irmãos, três deles já falecidos e dois deles já haviam partido para tentar fazer a vida.

Meu pai era carpinteiro e os recursos eram minguados. Só se comprava mantimentos por quilo, portanto, o arroz e feijão comprado pela manhã era consumido até o final do dia, afinal, eram treze bocas para comer, dez das quais menores de idade!
 
Apesar das dificuldades, havia em nossa casa, respeito, organização, hierarquia, além da disciplina.

Sabíamos, também, das dificuldades para a compra dos alimentos diários.

A Regina e a Dóris tinham a incumbência de ajudar na limpeza da casa e fazer o almoço... Enquanto faziam faxina o rádio, em volume considerável, sobre a prateleira da cozinha, falava do horóscopo do dia, além dos sucessos populares da época:
"Dominique nique nique, sempre alegre esperando, alguém que possa amar, o seu príncipe encantado, seu eterno namorado, que não cansa de esperar.."

Vixi, as duas chegavam chorar ouvindo tanta sofrência, não bastasse as dificuldades monetárias da família.

Como de costume, naquela semana anterior ao Natal, a Dorinha ficou incumbida de fazer um bule de café e a Regina faria o arroz. Dorinha colocou no fogo a água adoçada para fazer um café, esperando ferver para passá-la no coador de pano, enquanto isso foi varrer a varanda. A Regina, após arrumar os quartos, veio refogar o arroz. Desatenta, percebe uma caneca com água fervendo na outra boca do fogão e a despeja dentro da panela com o arroz.

Dá para imaginar o que aconteceu?

Ao ver que a água doce foi utilizada no arroz a Dorinha começa a chorar compulsivamente, a Regina do outro lado chora junto.

Nós mais novos, também abrimos nosso choro, mas, um choro contido e silencioso! Minha mãe entrou correndo, também desesperada, tentando salvar a refeição do dia. Tudo perdido - nem café, nem arroz!

Ainda fizeram uma tríplice lavagem para tirar o doce do arroz, nem deu! Minha mãe dobrou o sal e o temperou, outra tentativa frustrada, ficou com um gosto insuportável!

Naquele dia pensei que minhas irmãs morreriam de tanto apanhar, mas mamãe, sempre justa, sequer ergueu um dedo para puni-las. Diante daquele fato percebi o quanto minha mãe era justa.

Hoje a gente lembra daquilo com alardeado bom humor – as dificuldades ficaram para trás, a pobreza também se foi, eu, se algum dia chorei, já me esqueci!

Feliz Natal pra vocês também!