João Neto: Um dia para esquecer

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Logo na primeira semana do ano, ao chegar naquela casa no fim da rua de terra, sem saber, eu estava por iniciar a conversa mais entristecedora da minha vida. O dia, mesmo nublado, emanava um calorão de molhar o pano.

Quando cheguei, o morador, um senhorzinho idoso, aparentando mais de oitenta anos, estava sentado numa velha cadeira de taboa, camisa surrada aberta até metade do tórax, chinelo vão de dedo e uma velha calça de tergal rasgada, com flagrante ausência de água e sabão.

- Bom dia, senhor

- Bom dia. respondeu e emendou:

- Chega mais perto de mim, não enxergo daqui e não te escuto.

Aproximei-me e expliquei que faria o corte da luz, devido ao acúmulo de faturas atrasadas.

Entreguei-lhe o aviso de corte, ele, resignado, apenas questionou:

- O senhor tem que cortar, mesmo?

- Respondi que sim! Porém, ao entregar o aviso ao homem, percebi suas mãos tremendo, mal conseguindo segurar o papel, notei também que ele tentou disfarçar as lágrimas que escorriam de seu rosto judiado.

Iniciei o questionamento da possibilidade de conseguir pagar naquela semana, ele foi categórico:

- Não vou conseguir, filho! Já cortaram a água, eu sabia que a luz era questão de tempo... meu rapaz está preso, por fazer coisas erradas, desde setembro. Não tenho condição...

Por me chamar de filho e diante daquela verdadeira tragédia social, quem teve que disfarçar o choro fui eu... naquele instante o mundo caiu sobre meus ombros, eu na confortável condição de carrasco e, aquele senhor, na diminuta condição vulnerável.

Parece que uma voz gritou na minha consciência, tipo:

- João, tem outra maneira de você resolver isto!

Imediatamente abortei o corte, avisei o senhorzinho que deixaria a luz ligada e resolveria a situação de outra forma. Ele aparentemente criou alma nova, eu, do meu lado, me senti aliviado, mesmo sabendo que estava contrariando as normas da empresa.

Fiz uma “vaquinha” e consegui quitar todas as faturas atrasadas, tanto da luz quanto da água... minha promessa de Natal, alguns dias antes - de me tornar mais compreensivo, manso e prudente - se materializou muito antes do que eu imaginava.

Alguns conhecidos me criticaram, dizendo que eu não poderia salvar o mundo... até concordei, mas, nem sempre as coisas se resolvem com a razão, afinal de contas, quem conhece meu coração sou eu!

Feliz Ano Novo!