Segundo turno na Bolívia marca fim de ciclo da esquerda e define rumo da nova direita latino-americana

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A Bolívia vai às urnas neste domingo (19) em um segundo turno histórico. Pela primeira vez em duas décadas, o país não terá um governo de esquerda. O colapso interno do Movimento ao Socialismo (MAS), após o rompimento entre o ex-presidente Evo Morales e o atual mandatário, Luis Arce, abriu espaço para dois candidatos de oposição disputarem a presidência: Rodrigo Paz Pereira e Jorge “Tuto” Quiroga.

Embora ambos estejam alinhados à direita, analistas apontam que os projetos são distintos e que o resultado definirá não apenas o futuro boliviano, mas também os rumos da nova direita na América Latina.

Quem são os candidatos
Rodrigo Paz Pereira, do Partido Democrata Cristão, é senador e filho do ex-presidente Jaime Paz Zamora. Adota um discurso moderado e tenta atrair eleitores frustrados com o colapso da esquerda, prometendo reduzir a polarização. No primeiro turno, surpreendeu ao terminar em primeiro lugar e hoje lidera levemente algumas pesquisas.

Seu adversário é Jorge “Tuto” Quiroga, da Aliança Liberdade e Democracia. Ex-ministro do governo do pai de Paz e presidente interino em 2001, antes da ascensão da esquerda, é um crítico histórico de Evo Morales. Defende medidas econômicas neoliberais e cita como referências os presidentes Nayib Bukele (El Salvador) e Daniel Noboa (Equador).

Apesar das diferenças, a cientista política Moira Zuazo destaca que ambos defendem o fortalecimento institucional e o discurso democrático, ainda que por caminhos opostos.

Segurança e narcotráfico no centro do debate
A Bolívia enfrenta expansão do crime organizado e se tornou rota do narcotráfico internacional, inclusive com operações do PCC no país. Apesar disso, a taxa de homicídios caiu 17% em 2024, chegando a 3 mortes por 100 mil habitantes — muito abaixo dos índices brasileiros (18,2).

Paz promete fortalecer o sistema judicial e modernizar as Forças Armadas com uso de tecnologia digital, evitando posturas agressivas.

Quiroga defende cooperação firme com forças policiais do Brasil e da Argentina, além de políticas de encarceramento em massa e construção de megaprisões, inspiradas em Bukele.

Segundo Zuazo, o principal desafio de Quiroga será governar com minoria no Parlamento.

Crise econômica pressiona o novo governo
O país enfrenta mais de uma década de estagnação econômica, inflação de 25% — a maior em 30 anos — e escassez de dólares. A derrocada econômica foi determinante para o fim do ciclo da esquerda iniciado com Evo Morales.

Paz propõe o modelo “capitalismo para todos”: incentivo ao setor privado com manutenção de políticas sociais, formalização da economia informal, descentralização do Estado e corte de gastos supérfluos. Ele tenta dialogar com setores populares que antes apoiavam a esquerda.

Críticos consideram suas promessas difíceis diante do rombo fiscal.

Quiroga quer rupturas radicais: cortes profundos no gasto público, privatizações, fim de ministérios e acordos com o FMI. Defende abertura econômica, redução de impostos e estímulo à produção. Pesquisa Ipsos/Ciesmori aponta que 59% dos eleitores o consideram mais preparado para recuperar a economia.

Relações com o Brasil e o governo Trump
Mesmo durante governos ideologicamente diferentes, Brasil e Bolívia mantiveram cooperação estratégica, especialmente em comércio, infraestrutura e integração no Mercosul e Brics.

Paz pretende fortalecer a parceria com o Brasil, manter o país no Mercosul e aprofundar a integração econômica e política.
Quiroga quer afastamento de blocos regionais, sobretudo do Mercosul, e aposta em relações bilaterais independentes, sem “vínculos institucionais”.

Em relação aos Estados Unidos, ambos defendem pragmatismo, mas com tons bem distintos:
Paz evita declarações ideológicas e diz que “ideologias não colocam comida na mesa”.
Quiroga promete aproximação com Donald Trump, a quem elogia publicamente, e diz querer “descongelar” a relação bilateral.

Disputa apertada
Pesquisas recentes apontam um cenário acirrado. Em outubro, levantamento da Ipsos/Ciesmori indicou Quiroga com 44,9% das intenções de voto, contra 36,5% de Paz. Outra sondagem mostrou uma virada tardia em favor de Paz, impulsionada por eleitores indecisos.

Analistas preveem que o resultado deste domingo terá impacto direto na configuração da direita no continente e no relacionamento da Bolívia com seus principais parceiros internacionais.