João Neto: Uma salva de palmas para os loucos!

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Numa certa madrugada, acordei com uma baita câimbra na panturrilha... Levantei, tomei um ‘Dorflex’ e, enquanto fazia uma necessária visita ao banheiro, percebi um louco, num acalorado “autodiálogo”, do outro lado da rua. 

Empunhando um microfone imaginário e, de frente para o poste com luz de mercúrio ele berrava, anunciando o fim do mundo.

Após o discurso inflamado, mirando o bar com as portas cerradas, ainda com o microfone imaginário em punho, caiu na risada e cantou embriagadamente: 

“...Eu não sou besta pra tirar onda de herói - sou vacinado, sou cowboy - cowboy fora da lei...”. (confira a música no vídeo mais abaixo)

Apesar de cambaleante, e com dificuldades para completar a letra da canção, ele até que mandou bem, tanto no discurso apocalíptico quanto na letra do Raulzito... O louco repetiu por vezes sua ladainha e sua cantoria desconexa, porém, sem plateia e não suportando o peso das próprias pernas, ali mesmo deitou e apagou!

Os loucos de outros tempos (e outros bares), também cascudos e avessos a aparelhos de barbear e banhos, juravam a Terra ser redonda e, além da forma esférica, insistiam que ela rodopiava em torno do sol... Outros, não menos insanos, afirmavam veementemente que o sertão viraria mar e o mar viraria sertão...

Alguns psicopatas geniais, tentavam nos confundir com suas filosofias 3D: “só sei que nada sei”, ou, “ser ou não ser, eis a questão”!

O louco da noite me fez lembrar que estamos carentes de loucos, mesmo sem banhos e águas de colônia... Carentes de loucos que, além de comer gafanhotos, pensem por nós... Que atravessem a madrugada estudando o movimento das estrelas.

Loucos que, em noites desertas dancem e cantem, ainda que desafinados... Que conversem com extraterrestres, interroguem paredes e urinem no pé do poste... Que gritem, nos seus microfones imaginários, que estamos à deriva, sem eira nem beira.

Sim, sou fã assumido dos loucos... Mas estamos necessitados deles - dos loucos de palavras loucas... Dos loucos que nos remetam reflexões...  De loucos que pintem abstratos com cores vivas e nos ensinem o real sentido da vida!

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Este texto é do escritor João Neto, um escritor do cotidiano, foi rotulado, pelo crítico Lau Pacheco, como "piloto da caravela da saudade", em virtude do resgate de momentos vividos na infância e adolescência em Ourinhos. 

Após ter seu conto "Ainda Bem Que Você Veio" viralizado nas redes sociais, ficou conhecido em todo o Brasil. Publicou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2019.

João Candido da Silva Neto nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e veio para Ourinhos com 7 anos em 1967. Ele atuou na COPEL (Cia Paranaense de Energia) onde aposentou-se em 2019. Em 2012 se tornou escritor, tendo seus contos e crônicas publicados semanalmente na Folha de Londrina.