João Neto: Meu Primeiro Emprego Registrado

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Naquele tempo, aos sábados à tarde, eu pegava meu carrinho de pau e saía revirar os tambores de lixo das oficinas pra garimpar sobras de fios de cobre, alumínio e outros metais.

Todos os ferros velhos da cidade pagavam bem o quilo do cobre (15 cruzeiros, era um dinheirão), tanto o Barrueco, o Lascôt e o Laerte do Ferro Velho Cruzeiro.

Eu começava o garimpo no Posto Zanforlin, ali bem no comecinho da Duque de Caxias, no trevinho que dava acesso à Vila Brasil.

Dali eu seguia passando pela Oficina do Clidão, Posto Castor, Funilaria do Carrero, Ressolar,  Borracharia do Chicão,  Serralheria do Moya, Marinho Veículos,  Baterias Balalaika, Auto Elétrica Romano, Eletrotécnica MG... Acabava a Duque e começava a Expedicionários eu seguia em frente: Armazém do Verissimo, Dias Martins, Bazar Janda, Foto Kuniyoshi, Cia Luz de Força Santa Cruz, Consultório do Dr Ovídio,  Luiz Chaveiro (uma oficina de conserto de velocímetro),  Auto Peças Jardim, Retifica do Koga, Auto Peças São Jorge, Selaria São José, Auto Peças Canizella,  Rolex, Retifica São João,  Auto Vidros Brasil, Lanfulfo-FNM e fim. Ufa... Cansa né? 

No Landulfo eu encerrava minha "via sacra" e pegava o caminho de volta. No entardecer pelo menos 1 quilo de cobre eu tinha juntado pra vender na segunda-feira.

Certa vez encontrei, no tambor de lixo da Selaria São José, um treco velho e estranho: uma espécie de gargantilha gigante, cheio de argolas de tudo que é tamanho... Deveria pesar uns 10 quilos aquelas 36 argolas ligadas por couro trabalhado... Descobri posteriormente que se chamava "cabeçada e peitoral", um enfeite para animais de desfiles e cavalgadas. Coisa pra quem tinha muito dinheiro pra gastar!

Dali mesmo voltei pra casa, todo felizão, tava ganho o dia.

Cheguei em casa minha mãe já queria saber de onde eu tinha tirado aquilo... Contei pra ela que, desconfiada, exclamou:

- Pega esse negócio e vamos lá devolver de onde você tirou!

- Agora? Sábado à noite, não tem ninguém lá! Respondi.

- Vamos lá, agora! Ela retrucou com o olhar em "modo ataque"... Eu reconhecia minha mãe brava pelo olhar!

E fomos... Chegando lá ela apertou tanto a campainha que acabou aparecendo um senhor pra nos atender.

- Boa noite! Vim devolver esse negócio que meu filho disse que pegou no lixo daqui!

- Que maravilha, passamos o dia inteiro procurando esse "peitoral"... Desconfiamos que alguém tivesse colocado no lixo, fomos até Vila São Luiz, no lixão das Paineiras e nada!

Minha mãe se satisfez com o desfecho da história, mas o “mão de vaca” do homem nem me deu uma gorjeta!

No sábado seguinte quando eu passava na porta da Selaria o homem (mão de vaca), chamado Newton Teixeira, perguntou se eu queria trabalhar com ele.

- Tenho que falar com minha mãe! Respondi. 

Não precisa dizer que minha mãe aceitou, na escola passei para o noturno e ganhei meu primeiro registro em carteira, no dia da mentira, em 1° de abril de 74, vinte e dois dias antes de completar 14 anos!

Foto da primeira Carteira de Trabalho de João Neto (Foto: Arquivo Pessoal)

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Este texto é do escritor João Neto, um escritor do cotidiano, foi rotulado, pelo crítico Lau Pacheco, como "piloto da caravela da saudade", em virtude do resgate de momentos vividos na infância e adolescência em Ourinhos. 

Após ter seu conto "Ainda Bem Que Você Veio" viralizado nas redes sociais, ficou conhecido em todo o Brasil. Publicou seu primeiro livro de contos e crônicas em 2019.

João Candido da Silva Neto nasceu em Santa Cruz do Rio Pardo (SP) e veio para Ourinhos com 7 anos em 1967. Ele atuou na COPEL (Cia Paranaense de Energia) onde aposentou-se em 2019. Em 2012 se tornou escritor, tendo seus contos e crônicas publicados semanalmente na Folha de Londrina.